Brasil - Por Fábio Zambeli
Economia tende a ajudar na Lula na relação com o Congresso, mas embate com o “centrão” está longe do fim

Planalto espera segundo semestre de indicadores econômicos melhores para fazer frente à oposição sólida e organizada no Legislativo; crescente autonomia dos parlamentares sobre o Orçamento e confronto em temas ideológicos deixam presidente mais dependente dos resultados da inflação, emprego e juros para governar.

Eleito com a rejeição de 49% dos brasileiros, Luiz Inácio Lula da Silva chega à metade do primeiro ano de seu terceiro mandato pressionado pelo Congresso Nacional, mas alinhado ao Supremo Tribunal Federal e beneficiado pelos ventos da economia.

O presidente, de esquerda, tem minoria na Câmara e no Senado, casas controladas pelos partidos de centro-direita. Desde a transição, com a aprovação célere da PEC que liberou R$ 200 bilhões no orçamento de 2023, o petista vem conseguindo expandir sua base de apoio legislativa, embora ainda esteja distante de alcançar uma maioria consistente.

Cálculos feitos pela cúpula da Câmara, por exemplo, indicam que o bloco governista conta hoje firmemente com menos de 140 deputados de um total de 513. Num cenário em que o piso para aprovação de mudanças constitucionais é de 308 votos, o desafio do Planalto é se aproximar de um patamar mais seguro de governabilidade.
O quadro se torna ainda mais complexo em razão do elevado grau de autonomia dos parlamentares sobre a execução orçamentária. Deputados e senadores conduzem seus mandatos com acesso a fartos recursos de emendas, cujos repasses, em larga medida, são de natureza compulsória.

A crescente independência legislativa sobre o manejo de verbas federais faz com que diminua, na mesma proporção, o apetite por cargos e posições no Executivo –loteamento que, em outros tempos, era fundamental para o atendimento das bases territoriais dos políticos.

Em suma, os instrumentos para a formação do presidencialismo de coalizão estão mais estreitos atualmente se comparados ao primeiro mandato de Lula, marcado por ampla sustentação no Congresso, construída de forma muitas vezes controversa, haja vista os escândalos do Mensalão e do Petrolão.

É nesse contexto que se trava a batalha ruidosa entre Arthur Lira, presidente da Câmara e líder do grupo majoritário no plenário, e o Palácio do Planalto.

Lira não é adversário declarado de Lula, mas está longe de ser um aliado. Emergiu politicamente à condição de “dono” da pauta legislativa com o respaldo incondicional de Jair Bolsonaro, em cuja gestão manteve linha-direta com a Casa Civil, principal pasta da Esplanada dos Ministérios, chefiada na ocasião pelo amigo e correligionário Ciro Nogueira. Com a engenhosa operação e a omissão do então chefe do Executivo, o “centrão” dominou as duas pontas da articulação política: quem aprovava as medidas era também quem liberava emendas, redigia o Diário Oficial e derrotava internamente as teses econômicas da ala mais liberal e refratária à gastança, comandada por Paulo Guedes. Barba, cabelo e bigode.

Lula, contudo, não aceita as mesmas condições de Bolsonaro, que sempre se equilibrou entre a aliança com os centristas e a condição de “anti-sistema”.

O atual mandatário refuta peremptoriamente a ideia de se tornar um “semipresidente”. Com menos ferramentas para operacionalizar a governabilidade, o petista, dono de inconteste instinto de sobrevivência política, dependerá mais de fatores alheios à dinâmica parlamentar cotidiana para avançar na agenda com o Congresso no primeiro biênio de mandato.

Enquanto Lira estiver à frente do Legislativo, o que acontece até o final de 2024, e projetando alguma expectativa de poder para o “baixo clero” da Câmara, o governo precisará vencer pontualmente resistências nas mais numerosas bancadas temáticas, em especial a dos evangélicos e a do agronegócio, se quiser depender menos do cacique do centrão nas matérias econômicas.

É a economia

A boa notícia para Lula é que o pêndulo do Congresso jamais se voltará contra um governo que estiver produzindo razoável melhora nas condições da economia popular. Os mais recentes números disponíveis autorizam alguma euforia no Planalto, sobretudo no combo de indicadores mais sensíveis aos bolsos da base da pirâmide social: preço de alimentos, geração de empregos e acesso a empréstimos.

A primeira informação alvissareira para Lula foi o PIB do primeiro trimestre, somando quase 1,9%, puxado pelo agronegócio. Em seguida, veio a consolidação da trajetória de queda da inflação, atestada pelo último IPCA, o que deve acelerar a redução na taxa de juros. Estável, o nível de emprego é ainda o último entrave a ser vencido pelo governo, mas já se enxergam entre auxiliares do presidente dados mais animadores para o início do segundo semestre também nesta seara.

Dados obtidos pela Ágora indicam uma perspectiva de abertura de dois milhões de postos de trabalho até o final do ano, sendo que o saldo de 180 mil empregos já teria sido alcançado no último mês.
O cenário internacional conspira a favor do Brasil, que se torna cada vez mais um destino seguro e promissor para investidores estrangeiros, comparado-se com os outros emergentes, na medida em que se distancia de crises institucionais e se alinha à agenda socioambiental das potências ocidentais.

Com emoção

Não se espera da terceira administração lulista um controle avassalador do Congresso por duas razões primordiais: 1) a configuração de forças políticas que levou o presidente à apertadíssima vitória nas urnas não está espelhada fielmente na Câmara e no Senado; 2) os parlamentares à frente dos partidos vistos como fisiológicos e que costumam ser capturados pela força gravitacional dos governos centrais dependem menos do Planalto e têm agendas ideológicas distintas da do presidente.

Ainda assim, é arriscado apostar no apocalipse nas relações entre o Executivo e o Legislativo, sobretudo se a economia estiver respondendo.

O mais provável é que Lula siga tendo que agir pessoalmente para debelar incêndios, consiga aprovar os temas prioritários em especial na economia e permaneça enfrentando focos de rebelião nas pautas que representam confronto com a agenda dos parlamentares no campo dos valores e da ideologia.

É baixa, entre assessores do presidente, a expectativa de que se instale um ambiente positivo permanente entre os poderes até 2025, quando se encerra formalmente o ciclo de Lira. “Vai ser com emoção”, resume um desses auxiliares, lembrando que a “montanha russa” de Brasília funciona em sincronia com a popularidade do presidente.

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