* Apesar do triunfo dos partidos de centro, perspectiva de polarização na disputa presidencial persiste
* Força de siglas-pêndulo como PSD e MDB mostra que custo da governabilidade deve subir
* Terceiro turno está em curso, com aliados de Bolsonaro sob risco de inelegibilidade
As eleições municipais de 2024 confirmaram a força dos partidos de centro nas arenas políticas locais, mas estão longe de significar o fim da polarização que molda o cenário nacional.
Os resultados reforçaram o papel do PSD e do MDB como protagonistas em disputas estratégicas, consolidando essas legendas não apenas como agentes relevantes no xadrez das prefeituras, mas como atores essenciais para a definição do pêndulo político de 2026.
Com esse placar, o governo de Luiz Inácio Lula da Silva enfrentará um desafio adicional: o custo de manter essas duas siglas centristas alinhadas à sua base de apoio crescerá exponencialmente, especialmente porque ambas flertam abertamente com uma alternativa de poder à direita, encabeçada pelo governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas.
O saldo eleitoral, portanto, sugere que a fragmentação ideológica não se dissipará em curto prazo. Pelo contrário, a vitalidade dos polos opostos deve permanecer decisiva na corrida presidencial daqui a dois anos.
Lula e Bolsonaro, mesmo com seus desempenhos discretos na campanha municipal, seguem como padrinhos naturais dos projetos que prometem mais competitividade na sucessão ao Planalto.
A inelegibilidade temporária de Bolsonaro não inviabiliza sua capacidade de influenciar a escolha de um sucessor que herde seu capital político, enquanto Lula, por sua vez, se coloca como o provável candidato de continuidade, dando início a articulações com vistas à sua própria reeleição. Mesmo que decida não concorrer, será o responsável por ungir o escolhido ou a escolhida para tocar seu projeto.
Portanto, a apressada leitura de que Lula e Bolsonaro teriam sofrido derrotas nessas eleições é, na melhor das hipóteses, uma meia-verdade. A disputa local não encerra a relevância desses líderes, mas antecipa os desafios que o governo federal enfrentará na governabilidade.
Com partidos de centro mais sólidos e um bloco conservador articulado, o preço da estabilidade política para Lula será elevado. As eleições municipais, nesse contexto, exercem um papel indireto, mas poderoso: não definem novas alternativas de poder, mas aumentam o custo da manutenção da governabilidade em um ambiente marcado pela polarização e pela necessidade de acordos complexos.
Esse quadro já tende a ser vislumbrado com mais consistência nas discussões da pauta econômica no Legislativo, na campanha pelos comandos da Câmara e do Senado e nas tratativas visando uma minirreforma ministerial.
Em resumo, as urnas reafirmaram uma velha máxima da política brasileira: “Tudo mudou e nada mudou.” As dinâmicas locais indicam que, embora novos arranjos políticos estejam em gestação, as forças motrizes da política nacional continuam orbitando em torno dos polos que Lula e Bolsonaro representam.
Assim, o impacto mais relevante das eleições municipais não está em uma ruptura com o cenário polarizado, mas na elevação das pressões sobre o governo federal para equilibrar interesses diversos em busca de estabilidade.
O centro ganhou musculatura, mas ainda carece de um projeto coeso para romper a dicotomia vigente. Essa musculatura centrista, alimentada pela força das emendas, ainda não tem inclinação política solidificada. Até 2026, a questão central não será apenas quem governará, mas a que custo.
Cotidiano nas Urnas
As disputas pelas prefeituras, por tradição, refletem demandas profundamente enraizadas no cotidiano dos cidadãos. Mais do que alinhamentos ideológicos, as campanhas municipais costumam priorizar a qualidade dos serviços públicos, a eficiência na zeladoria urbana e as respostas rápidas às necessidades locais.
Eleitores estão atentos a questões como saneamento, transporte, educação e saúde, exigindo gestores capazes de apresentar soluções pragmáticas para esses desafios imediatos. É nesse terreno que o voto se torna menos orientado por narrativas ideológicas e mais guiado por resultados tangíveis e promessas viáveis.
Ainda assim, a agenda de valores e costumes, que predomina nas disputas nacionais, segue resiliente e capaz de influenciar de forma indireta o comportamento eleitoral em nível municipal.
Embora as cidades demandem um olhar mais focado no pragmatismo administrativo, a polarização continua presente como um pano de fundo estratégico.
Os prefeitos e prefeitas eleitos, mesmo orientados por prioridades locais, sabem que precisam navegar nesse cenário polarizado para garantir acesso a recursos e articulações que perpassam Brasília.
Esse equilíbrio entre o foco local e as pressões nacionais adiciona uma camada de complexidade à governabilidade futura e ao alinhamento entre esferas de poder.
Terceiro turno: a batalha no Judiciário
Na esteira das urnas, um novo front para 2026 se apresenta: o Judiciário. A esquerda já se organiza para contestar a elegibilidade de dois dos mais promissores nomes para 2026: Pablo Marçal e Tarcísio de Freitas.
Marçal, cuja campanha foi marcada pela inovação na comunicação política e pela exploração da era da atenção, enfrenta acusações de divulgar laudo falso durante a corrida eleitoral.
Tarcísio, por sua vez, está na mira por declarações polêmicas no segundo turno das eleições municipais, ao afirmar que o crime organizado estaria influenciando votos em favor do PSOL.
Com Bolsonaro atualmente inelegível, a direita se vê diante de um cenário ainda mais complexo.
Não basta conquistar apoio popular; seus principais candidatos terão que atravessar o crivo do Judiciário para se manterem na corrida ao Planalto.
Assim, o caminho até a Presidência da República se desenha como uma jornada dupla – tanto nas urnas quanto nos tribunais –, consolidando um ambiente político onde cada movimento estratégico será monitorado e, possivelmente, contestado judicialmente.
Fábio Zambeli
Sócio e VP de Assuntos Públicos da ágora